sábado, 2 de janeiro de 2010

SEBASTI'AO DIAS, GRANDE POETA DA VIOLA

SEBASTIÃO DIAS FILHO (13-09-1950, st. Timbaúba, Ouro Branco), então município de Jardim do Seridó-RN, do qual foi desmembrado em 21-11-1953, mas instalado oficialmente desde 16-07-1905, data de sua primeira feira, como povoado Espírito Santo. Com esse registro, baseado em informações do próprio poeta e em Luís da Câmara Cascudo (Nomes da Terra, Fundação José Augusto, 1968, p. 222), corrijo falha em meu livro REPENTES E DESAFIOS, Centro Gráfico do Senado Federal, 1985, p.235), no qual constou a cidade de Caicó como berço do excepcional repentista. Contudo, corroboro o que dele disse naquela obra: (...) “é uma das mais fortes expressões do repente nordestino. Simpático, inspirado, canta bonito e goza de justa fama em toda a região por onde se estende a magia de seu talento”.
Sem sombra de dúvida, Sebastião Dias é um dos mais completos artistas da viola. Poeta de inspiração encantadora pela beleza e raridade das imagens que esbanja em seus improvisos. Poucos cantadores se aproximam dele no brilho da poesia, na doçura e na sonoridade dos versos, que surpreendem e fascinam a todo instante. Chamam-no o Chico Buarque da Viola, mas o famoso autor de CONSTRUÇÃO e outros marcos indeléveis da música brasileira não tem o dom do improviso com que as musas bafejaram nosso Sebastião Dias, esse superdotado do repente cuja lira jamais desafinou. Canário sertanejo, seu destino é cantar, e assim nos encanta com o alumbramento de sua imaginação privilegiada, criativa, inesgotável. Em suas mãos, a viola atravessa para o terceiro milênio elevada e vitoriosa, buscando caminhos de um futuro de sonho e de poesia imorredoura.
Numa de suas grandes cantorias, o assunto girava em torno dos sofrimentos da criança pobre do sertão. Seu companheiro observou:

“Como é grande o sofrimento
da criança sem destino!”

Sebastião, nesta sextilha, pincelou um quadro de tristeza, mas também de beleza e realismo :
“Já é hora em que o menino
na calçada come fuba,
debaixo de uma choupana
coberta de carnaúba,
dessas que a ventania
com qualquer sopro derruba!”

(Fontes: diversas informações verbais).

Num festival de repentistas em Patos-PB, Sebastião da Silva cantava com Dias, e, já cansado, disse:
“Fui o escravo da festa
e o espetáculo termina!”

Sebastião Dias, em grande inspiração, rematou:

“Um parte para Campina,
outro para Guarabira,
e eu, como aventureiro,
vou em busca de Tabira...
Quem disser que sou feliz,
Podem dizer que é mentira!”

(Fonte: Damião Galvão, Serra Negra do Norte-RN).

Sebastião fazia feliz temporada em São Paulo, mas com muita saudade da terra querida, onde deixara amigos e parentes. Numa cantoria, o companheiro lhe cedeu esta deixa:
“Como é que você está
nesta terra bandeirante?”

Sebastião improvisou inspirado e saudoso:

“Na Capital Bandeirante
eu vim fazer um passeio,
mas, ao deixar o Nordeste,
parti a alma no meio...
Ou vem a banda de lá,
Ou vai a banda que veio.

Numa cantoria em João Pessoa - PB, num local junto à lagoa que embeleza o centro da cidade, havia um painel com muitos quadros de coisas do sertão. O companheiro de Sebastião fez esta referência: “É sertão por todo canto.”

Sebastião atentou para a pintura de uma garça e fez esta beleza de sextilha:

“O pintor caprichou tanto
e a pintura está tão boa,
que até a garça pintada
no aceiro da lagoa
está tão linda e perfeita
que se espantar ela voa.

(Informante: Aquino Neto – Natal – RN)

Numa cantoria, quando o assunto era a natureza, o parceiro de Sebastião fechou assim uma sextilha: “Toda a natureza treme/ na luz do sol escaldante.” Dias completou:
“Dessa hora por diante
a terra aclama o mormaço;
um pedaço de jurema
se esfrega noutro pedaço;
parecem duas pessoas
pegando queda-de-braço.”

(Fonte: Geraldo Amâncio/Wanderley Pereira, DE REPENTE, CANTORIA, Press. Publicitários Associados, Fortaleza, s/d, p. 120).
Falando sobre quadros do inverno, Sebastião Dias, em sete-linhas, improvisou:
“Quando o chão está molhado
aparecem coisas boas:
se levantam cogumelos
que as capas parecem broas;
os sapos chocam de ruma;
bordam com cachos de espuma
o cenário das lagoas.”

(Fonte: idem, idem, p. 120).

Com o cantador Pedro Alcântara, Dias homenageava Severino Pinto que morrera havia pouco tempo. Alcântara ofereceu estas deixa; “No final da existência/findou aleijado e cego.” Dias cantou comovido:

“Hoje a Bandeira do Nego
hasteou só a metade;
a Paraíba chorou
como uma irmã com saudade,
porque Pinto do Monteiro
partiu para a eternidade.”

(Fonte: idem, idem, p. 161).

Afugentando preconceitos, Dias cantou certa vez assim:

“O cemitério é a casa
dos nossos restos mortais;
ambição, ódio e vingança
ficam do portão pra trás,
porque, do portão pra frente,
todos nós somos iguais.”

(Fonte: idem, idem, p. 271).

Quando cantava com Geraldo Amâncio, num festival, na cidade de Paulista – PB, Sebastião brindou a platéia com esta estrofe de grande beleza:

-Na madrugada altaneira,
geme o vento atrás do monte;
um cururu toma banho
na água fresca da fonte
e a lua dorme emborcada
no colchão do horizonte.

(Fonte: o poeta José de Sousa, de Paulista – PB).

Em Brasília, Sebastião cantava na comemoração do nascimento de dois filhos gêmeos de um senhor chamado Paulo, dono de uma panificadora. Sobre o evento, disse de improviso:

-Paulo tem duas estrelas
dentro das suas manhãs:
Uma mãe teve dois filhos
Para invejar outras mães
E um bom padeiro inventou
Uma forma pra dois pães.

(Fonte: Romão Gomes de Olinda, Brasília – DF).

Após uma dessas cruéis estiagens nordestinas, um companheiro de cantoria, discorrendo sobre o assunto, concluiu assim uma sextilha: “Agora a seca sumiu.”
Sebastião, o mago das belas imagens, completou:

-Depois que a chuva caiu,
ficou verde o arrebol,
a babugem cobre o chão;
parece um verde lençol,
cicatrizando as feridas
das queimaduras do sol.

(Fonte: o poeta Ademar Macedo, Natal – RN).

Numa cantoria em Brasília, Sebastião recebeu esta deixa interrogativa do companheiro: - “Me diga como deixou /a nossa Campina Grande”. Sebastião, em seu largo estilo, respondeu:

-Deixei uma seca grande
no Nordeste brasileiro:
de verde, só aveloz,
papagaio e juazeiro,
que o Nordeste, pra sorrir,
tem que Deus chorar primeiro!

(Fonte: Idem).

Falando de coisas tristes, certa vez Sebastião improvisou assim:

-É um dia de tristeza
quando a mãe para o céu vai.
Os filhos se cobrem em prantos;
O caçula diz: ô pai,
Não vê, mamãe ta dormindo!
Abra o caixão que ela sai!

(Fonte: Normando Vasconcelos, obra citada, p. 194).

O mesmo pesquisador, num pé-de-parede, após um festival ocorrido em Arcoverde – PE, em 1995, anotou estas belas sextilhas de Sebastião, cantando com Valdir Teles, em seguida à apresentação de Severino Ferreira e Severino Feitosa:

-A Feitosa e a Ferreira,
pedir licença eu queria,
para dar um empurrão
no final da cantoria,
pra ver o corpo da noite
cair por cima do dia.

-Vou me tornar vagabundo,
cantar pra o meu público fã,
que Deus, em forma de nuvem,
está por detrás da chã
pra ver o rosto do dia
nos espelhos da manhã.

(Obra citada, págs. 194/195).

O jovem cantador Diomedes Mariano, sentindo-se meio sufocado na cantoria, pediu a Sebastião: - “Sebastião, por favor /deixe eu cantar à vontade!” Sebastião atendeu ao pedido do colega principiante, mas ainda deu duro em cima do menino:

-Pode cantar à vontade
se apresentando pro povo,
que eu não vou jogar terra
na cara de um pinto novo
que está com o bico de fora
e o resto dentro do ovo! (1)
Obs. Do livro REPENTISTAS DO NORDESTE, pronto para publicar.

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